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Sociedade patriarcal, lesbofobia e as demais faces do feminicídio

Publicado por João Henrique Santos em

Manifestação contra lesbofobia e a busca por justiça no caso Carol Campêlo.
Manifestação contra lesbofobia e a busca por justiça no caso Carol Campêlo. (Foto: Ale Anselmi @alanselmiI

A discriminação racial está intimamente ligada aos recortes de gênero e sexualidade, contribuindo para os altos índices de violência contra a mulher.

No mês de março, as águas que fecham o verão inundam as ruas e residências, com ondas elevadas de violência e feminicídio. Em 2023, a Central de Atendimento à Mulher registrou mais de 70 mil denúncias referentes a algum tipo de agressão sofrida por mulheres — em sua maioria, negras, representando 62% das vítimas, conforme o relatório da Anistia Internacional — das mais diversas idades e realidades socioeconômicas: famosas, anônimas, ativistas, professoras, médicas, meninas, mães e avós, tornam-se números e estatísticas nas mãos do racismo, machismo, misoginia e patriarcado de cada dia.

Flores, chocolates e qualquer ação mercadológica que reduza a luta feminista à mera celebração são verdadeiras afrontas produzidas por um sistema que limita, sobrecarrega, exclui e mata Genis, Dandaras, Marias e Marielles, expoentes da resistência e vigor feminino. O olhar interseccional sob as perspectivas de sexualidade, etnia e local de origem, por exemplo, contribui para a compreensão dessas realidades de gênero e suas vítimas.

Segundo um mapeamento produzido pela Liga Brasileira de Lésbicas e Associação Lésbica Feminista de Brasília – Coturno de Vênus, em 2022, 78% das entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de agressão motivada por sua sexualidade, como estupro (24,76%), assédio moral e sexual (31,36% e 20,84%, respectivamente), violência psicológica, insultos por sua aparência, entre outros tipos de lesbofobia, nos mais diversos ambientes.
Novamente, os números vão ao encontro dessa população, que em sua diversidade, rompe com a cisnormatividade e com os padrões de gênero socialmente aceitos. Considerando que o Brasil segue no topo como o país que mais mata pessoas trans e travestis pelo 14º ano consecutivo, os casos de lesbocídio (assassinatos de l ésbicas) são igualmente precedidos por humilhações, torturas e inúmeras atrocidades, formas de manutenção da misoginia e animalização destes e outros corpos dissidentes.

Manifestação de mulheres lésbicas no levante do Ferro’s bar em 83
Manifestação de mulheres lésbicas no levante do Ferro’s bar em 83 (foto: acervo Folha de São Paulo)


É pau, é pedra… é o fim do caminho

Da articulação junto ao movimento feminista e demais grupos sociais contrários à ditadura, passando pelo levante no Ferro’s Bar, em 1983, e demais manifestações contemporâneas, historicamente, mulheres lésbicas são protagonistas na luta progressista em todos os segmentos que conduziram às transformações sociais. Ao mesmo tempo, são constantemente invisibilizadas em seus direitos e pouco representadas nas políticas públicas direcionadas ao gênero feminino e suas especificidades.

O conservadorismo de uma sociedade constituída por padrões normativos, que busca na ciência e nas crenças do fundamentalismo religioso formas de condenar as diversas formas de amar e ser, contribui para que estas mulheres se sintam ainda mais invisíveis e sejam agredidas nos mais diversos espaços de convivência e atuação. Somados aos estereótipos de gênero, que incluem a feminilidade e passabilidade heteronormativa, lésbicas desfeminilizadas recebem um tratamento ainda mais hostil.
Entre os anos de 2014 a 2017, o Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil revelou um aumento de mais de 237% de casos, e no último ano do estudo, 54% das vítimas fatais eram lésbicas não-femilizadas e 43% negras. Os índices também revelaram que 69% das mortes ocorreram no interior dos estados, em locais públicos (71% dos casos).

(Foto: Ale Anselmi @alanselmiI)

Manifestação de mulheres lésbicas no levante do Ferro’s bar em 83
Manifestação de mulheres lésbicas no levante do Ferro’s bar em 83 (Foto: Ale Anselmi @alanselmiI

Em 10 de dezembro de 2023, na cidade de Maranhãozinho, a 232 km da capital São Luís (MA), uma jovem negra e lésbica não-feminilizada — cuja aparência rompe com os ‘padrões femininos’ — voltava para casa de bicicleta depois de mais um dia em seu novo trabalho, como funcionária de um posto de gasolina. Aos 21 anos, recém-casada, foi perseguida, sequestrada e violentada de diversas formas.
As câmeras que auxiliaram em sua busca testemunharam um crime hediondo, conferido por seus familiares, sem qualquer preparo: primeiro, encontraram sua bicicleta e depois, um corpo que já não era tão fácil de reconhecer. Vinte e um anos, casada, em uma nova cidade e um novo emprego. Mais uma mina-mana-negra, silenciada pelo sistema. Ana Caroline vive! #Disque100 #Disque180

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